quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Reconhecendo tal facto como um acto de fé?!...




É quase invisível no Google e garante que prefere manter-se assim, discreta. A presidente da Comissão de Instrutores explica como lidou com um volume inesperado de trabalho e fala dos temas mais quentes da disciplina, entre os quais o túnel do Sporting-Arouca.

RECORD – Fez um ano que está à frente da Comissão de Instrutores. Qual o balanço que faz?

CLÁUDIA VIANA – Muito, muito positivo. É uma matéria que conhecia do ponto de vista teórico, mas relativamente à qual nunca tinha tido aplicação prática com tanta intensidade. Tive a sorte de contar com uma equipa que permitiu fazer um trabalho que muitas vezes foi difícil e complexo.

R – Teve mais trabalho do que estava à espera?

CV – Muitíssimo mais. Foi uma surpresa. A indicação que tínhamos era que, em média, o número de processos instaurados por época desportiva rondava os 66. Tivemos 116. Destes, 26 dizem respeito a épocas anteriores. Por isso, houve 90 processos esta época, quando a média era de 66.

R – A que se deve este aumento? Acha que tem havido algum excesso da parte do Conselho de Disciplina (CD) a abrir processos?

CV – Não lhe vou fazer comentários sobre a atuação do CD. Cada um de nós tem as suas funções, competências e responsabilidades. Eu só posso responder sobre as minhas.

R – Também houve uma espécie de liga da disciplina, com participações de uns clubes contra outros…

CV – A única coisa que posso dizer é que os números falam por si. Na época desportiva 2015/16 eram 71 processos; em 2014/15, foram 61; em 2013/14, foram 70; em 2012/13, 61. E na última, 90.

R – O presidente do CD, José Manuel Meirim, alertou para falta de meios de instrução. Foi um problema?

CV – Claramente, não. Em 2016/17 foram 90 processos. Nunca, nas últimas épocas, se registou um número tão elevado. Além destes, herdámos 26 processos de épocas anteriores. Esta CI, com a composição inicial – dois instrutores, a presidente e o apoio do secretariado, que são duas pessoas –, concluiu 108. Dos dados que disponho, é a primeira vez que isto acontece em Portugal.

R – Ainda assim, houve um reforço, com a entrada de mais um instrutor para a CI…

CV – O reforço dos meios foi pensado em diversos momentos e o presidente da Liga sempre me colocou à vontade. Tem a ver com o novo Regulamento [Disciplinar], pois os prazos serão tendencialmente mais curtos. O objectivo é sempre fazer mais e melhor. Aliás, vou inverter: o objectivo é sempre fazer melhor e mais.

R – O que fez a CI perante os factos que vieram a público no chamado caso dos emails?

CV – Não posso dizer rigorosamente nada sobre esse processo. É um processo de inquérito.

R – Será possível fazer alguma coisa, sabendo que as instâncias disciplinares do futebol não têm os meios das instâncias judiciais?

CV – Não posso antecipar cenários que não conheço. O que lhe posso dizer é que a CI não tem nenhum processo na gaveta. Nem pretende ter. Não há, nem nunca haverá enquanto eu for presidente, processos parados. Não posso dizer mais do que isso. É um processo em relação ao qual a CI vai manter a sua linha de actuação e que vai ser objecto de recolha de prova. Como vai correr, não sei. Posso garantir que não fica na gaveta e que terá o mesmo tratamento que os outros.

R – Quantas horas passa na Liga?

CV – Se me perguntar quantas horas trabalho, é muito diferente. Ainda este fim de semana trocámos dezenas de emails. E no domingo, solicitei o apoio do secretariado. Não temos horários. Temos uma reunião semanal que impusemos a nós próprios, onde fazemos um ponto da situação sobre cada processo. Depois, discutimos as questões e trabalhamos por email, por telefone… Uma coisa é certa: não vai nenhum processo para o CD sem o meu OK.

R – Leva trabalho para casa?

CV – Sempre trabalhei muito em casa, também por via da minha actividade académica. Trabalho muito mais em casa nos processos da Liga do que aqui.

R – Tem clube?

CV – Não ligo nada a futebol. O que estou a fazer é actividade jurídica. É aplicada ao futebol, podia ser aplicada a outra coisa. Essa distância é muito importante para a isenção.

R – Sabe o que é um fora-de-jogo?

CV – Oh… Algumas pessoas que me conhecem bem ficaram admiradas quando souberam que tinha assumido o lugar de presidente da Comissão de Instrutores da Liga, dado que eu não conhecia nada de futebol. Não me faça mais perguntas, se não eu chumbo…

R – Sentiu que no futebol há uma linguagem que noutras áreas da sociedade não é bem aceite?

CV – No início fiquei algo surpreendida com algumas expressões que se utilizavam. Vou falar de uma que achei especialmente curiosa: ‘palhaço’. Surpreendeu-me. Já percebi que é uma palavra deste mundo. Achei curioso que a palavra fosse utilizada com tanta frequência.

R – Quando foi a última vez que foi a um estádio?

CV – Não me lembro. Já fui, quando era mais nova. Ia com os meus pais. Não conheço o estádio do Braga, de onde sou. Nunca lá fui, a não ser a uma parte que é utilizada como recinto para o Enterro da Gata.

R – Há muito pouca informação sobre si no Google, tirando o percurso académico…

CV – Ainda bem. Não tenho redes sociais, nunca tive interesse. Mesmo até depois de algumas pessoas me dizerem que se não estou nas redes sociais, não existo! Não gosto de me expor.

R – Não sente que devia falar mais, até de forma a dar explicações aos adeptos?

CV – Já me disseram isso, mas prefiro manter-me discreta. O meu trabalho é jurídico e deve ser discreto, não faz sentido essa publicitação. Mas foi uma época diferente e a disciplina desportiva atingiu um protagonismo que talvez lhe dê alguma razão.

R – Disse em Fevereiro que o seu objectivo era a qualidade. É possível haver qualidade quando alguns processos demoraram tantos meses a terem uma acusação?

CV – A celeridade tem de ser tida em conta, mas a qualidade é determinante para o êxito da justiça desportiva. Não é a celeridade que é determinante.

R – Sobre o chamado caso do túnel do Sporting-Arouca: quais os passos que a investigação deu?

CV – O processo de inquérito foi aberto a 14 de Novembro e a proposta para a sua conversão em processo disciplinar aconteceu a 10 de Maio. Foram visualizadas cerca de 4 horas de imagens, feitas diversas inquirições e outras diligências. O processo do túnel não se resume aos segundos que todo o país viu. A conversão em processo disciplinar foi decidida pelo CD a 30 de Maio, mas com o aproveitamento de toda a prova recolhida durante o inquérito. Vai dizer-me ‘Demoraram oito meses’. Mas a qualidade ficou evidenciada. O CD poderia ter ordenado mais diligências, mas não o fez e aceitou a proposta de conversão em processo disciplinar. A partir daí, havia diligências que eram necessárias e os arguidos tinham de ser ouvidos nessa qualidade, e eles têm prazos para se defenderem. Nestes 38 dias úteis que mediaram entre a conversão em processo disciplinar e o envio da acusação para o CD, conseguimos que o processo ‘emagrecesse’ com três processos abreviados – foram conseguidos por acordo entre os arguidos e a CI, que resultaram em condenações, e que foram homologados pelo CD. Repito: em 38 dias, a CI deduziu seis acusações e elaborou três processos abreviados com condenação.

R – Bruno de Carvalho e Carlos Pinho foram arguidos difíceis?

CV – Não. Tem de existir respeito, cordialidade e grande distância. A partir daí corre tudo bem.

R – Como é que a CI chegou à conclusão que Bruno de Carvalho expeliu fumo e não saliva?

CV – Resulta da apreciação que fizemos das imagens.

R – Mas tem outras imagens, ou melhores, do que aquelas que vieram a público?

CV – Claro que sim! Temos quatro horas de imagens. A prova final vai ser feita na audiência disciplinar.

R – Carlos Pinho foi acusado de infrações com molduras disciplinares que vão até 15 anos e meio. Faz sentido suspender um dirigente por 15 anos?

CV – Não sou eu que posso responder. Terei a minha opinião como jurista, enquanto presidente da CI posso dizer que não é minha competência apreciar a proporcionalidade da moldura da sanção face a determinada infracção. O regulamento é feito pelos clubes.

R – Por outro lado, a suspensão de um dirigente não tem grandes efeitos práticos. Não sente que está a propor castigos para nada?

CV – Acho as questões muito pertinentes, mas devem ser feitas aos clubes. Não há sentimentos quando estamos a fazer trabalho jurídico. Acho que os clubes não perderiam em fazer essa reflexão.

R – A CI não abriu nenhum processo por flagrante delito na época passada. E teve duas oportunidades para o fazer, que foram os casos Samaris e Edson Farias…

CV – Entendi não o fazer por razões estritamente jurídicas. A moldura sancionatória referia-se a um mês. Não é garantido que um mês corresponda a três ou quatro jogos. Isso agora ficou mais claro no regulamento. Pode dar-se o caso de vir a ter uma maior aplicação.

R – Quer dizer que com o anterior regulamento, sempre que houvesse uma agressão de um jogador a outro dentro campo e o árbitro não a visse, nunca poderia ser aberto um processo por flagrante delito…

CV – Não minha opinião, não. Há um princípio sagrado de proibição da analogia no direito penal e que foi totalmente acolhido no direito disciplinar. Não podemos dizer que um mês corresponde a três jogos, enquanto outros dizem que corresponde a quatro.

R – Mas há justiça quando a justiça não actua quando deve actuar?

CV – Não há justiça perfeita, em nenhuma área. Mas vamos manter-nos dentro de princípios que são fundamentais. Se o regulamento impede uma sanção imediata, eu não posso alterar a minha actuação, sob pena de violar o regulamento, em função das consequências. As decisões jurídicas têm de ser tomadas, independentemente das consequências.

R – O presidente do CD enviou um conjunto de notas sobre possíveis alterações ao regulamento disciplinar. Foi-lhe também pedido a si?

CV – Houve oportunidade de fazer algumas indicações, mas não acho que seja da competência da CI intervir na elaboração dos regulamentos. Sinto-me à vontade para propor alterações regulamentares do ponto de vista da técnica legislativa, para esclarecer, dissipar dúvidas, para tornar a regra mais clara ou eliminar algumas contradições; relativamente à relação infracção/sanção, isso quem decide são os clubes.

R – Tem havido uma concordância muito grande entre as propostas da CI e as decisões do CD…

CV – Sim. É um óptimo sinal para a eficácia da justiça desportiva. A CI faz o seu trabalho, mas obviamente que está muito atenta a todas as decisões do CD, sobretudo quando não há uma total coincidência de opiniões. É um sinal importante que temos em conta num trabalho futuro.»
(Sérgio Krithinas, entrevista in Record)


Um trabalho jornalístico importante, inteligente e oportuno de Sérgio Krithinas, um jornalista que, sem se colocar em bicos de pés e menos ainda cometer a indignidade de fazer coro com a "voz do dono" seguida pela grande maioria da corporação que infelizmente o contexto lhe impõe, me parece estar a ganhar o seu espaço na consideração dos leitores adeptos do futebol, em entrevista a Cláudia Viana, uma conceituada, embora polémica, académica da área jurídica, alguém lançada de páraquedas na fogueira inquisitorial do pântano futebolístico que temos, e que estará porventura a ultrapassar as expectativas da grande maioria, que lhe antecipou um curto e efémero reinado e uma retirada sem honra nem glória.

Mais importante do que nos precipitarmos em conclusões insensatas ou, pior ainda, seguindo a nossa ancestral tendência para desenhar e colar rótulos a toda a gente, julgo que importará a todos os que tiverem o privilégio de aceder à entrevista, retirar das palavras inteligentes do entrevistador e da entrevistada, matéria que consolide a opinião que cada um fará de ambos.

Talvez nem tudo vá mal no reino do futebol! Quem ousará recusar que as “decepcionantes confusões” de hoje, as “estranhas e difíceis decisões” do presente não serão, pois, o preço a pagar por um futuro melhor, mesmo que...

Reconhecendo tal facto como um acto de fé?!...

Leoninamente,
Até à próxima

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